Mulher na Ciência, Questões de Gênero

OBJETO DE ESTUDO OU DE DESEJO? MULHERES: UM POTE ATÉ AQUI DE MÁGOAS

por Edison Luís dos Santos

Introdução: homenagem à Hipátia

Quando o filósofo Santo Agostinho (354-430 d.C.), um dos pais dos princípios eclesiais da autoridade cristã, afirma que “A mulher não foi feita à imagem de Deus” (Mulier non facta est ad imaginem Dei), introduz um novo estatuto para a representação da mulher, determinante para a domesticação dos costumes medievais e a difusão da misoginia medieval. Nessa mesma época em que o cristianismo se firmava pela cólera e o radicalismo no combate às heresias que desafiavam sua doutrina(1), Hipátia, mulher pioneira nos estudos científicos e que contribuiu para o desenvolvimento da matemática, foi assassinada por se negar à conversão. Em nome dos costumes, os monges de Cirilo assassinaram-na sem escrúpulo(2).

Embora pouco conhecida na história, Hipátia foi a primeira mulher assassinada por ser uma pesquisadora da ciência. Era a filha mais bonita de Teão, bibliotecário em Alexandria, que havia escrito tratados de geometria e música. Seu pai era um erudito reconhecido, mas ela o superou em tudo e chegou a possuir o domínio total da astronomia e matemática de seu tempo. Escreveu textos densos e foi autora de: Comentário sobre a aritmética de Diofanto; Comentário sobre as Crônicas de Apolônio e uma edição de um escrito em que seu pai divulgou o Almagesto de Ptolomeu. Lamentavelmente não restou absolutamente nada, porque seus escritos foram destruídos.

Na primavera de 415 d.C., uma multidão de monges devotos, liderados por um homem chamado Pedro, seguidor do venerável Cirilo, bispo de Alexandria, sequestrou-a. Hipátia se defendeu e gritou, mas ninguém ousou ajudá-la. O terror se impôs e, dessa forma, os monges puderam levá-la até a igreja de Cesário. Ali, à vista de todos, golpearam-na brutalmente com telhas. Arrancaram-lhe os olhos e a língua. Quando já estava morta, levaram o corpo para um lugar chamado Cinaro e o despedaçaram, arrancaram os órgãos e os ossos e finalmente queimaram os restos. A intenção final não era outra senão a aniquilação sumária de tudo quanto Hipátia significava como mulher.

NOTAS

(1) Na maioria dos textos medievais que versam sobre demonologia, a vítima do diabo, por excelência, é a mulher, cujo fundamento encontra-se nas crenças da Antiguidade (Velho Testamento) que são também largamente difundidas na Idade Média pelos valores morais incorporados pelo cristianismo. (Ver: Deus e o Diabo: a pedagogia do medo. In: Nogueira, 2000: 42).

(2) Cirilo era sobrinho de Teófilo, o causador da destruição do Serapeum. Tinha um destino determinado e o cumpriu. De 412 d.C. a 444 d.C., regeu o rumo espiritual dos alexandrinos. Não suportou a sabedoria de Hipátia, capaz de pôr em dúvida as doutrinas cristãs ao exercer, com modéstia, o método científico. Damáscio relata que “Cirilo se corroia a tal ponto que tramou o assassinato dessa mulher de maneira que acontecesse o mais cedo possível […] (Vida de Isidoro, 79, 24-25)”. (BÁEZ, 2006: 109).

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